segunda-feira, 1 de agosto de 2011

As velhas mensagens escritas no papel...


SARA VASCONCELOS - Repórter


Há quanto tempo o carteiro não chega na porta da sua casa e entrega um envelope selado, com remetente e destinatário escritos a mão? O velho hábito de escrever cartas está caindo em desuso e poucos são os resistentes que ainda cultivam o hábito de escrever, postar e aguardar a esperada resposta...

A antiga troca de correspondências está fadada ao desuso. Até a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) teve que se adequar as novas demandas. Hoje, menos de 3% do volume médio de cartas comerciais e não comerciais são distribuídas, diariamente, no Rio Grande do Norte.

Ao contrário de uma maioria que considera perda de tempo, o ritual de escrever e aguardar a resposta em envelope fechado e selado é cultuado por alguns resistentes – que também usam a frieza do teclado – para atribuir maior humanização às relações pessoais. Fato é que parar e escrever, à mão, com a caligrafia carregada de individualismo, tem sido substituído ao longo dos tempos pelas letras mecânicas dos computadores (como aqui nessa matéria).

Carteiro há 33 anos, Flávio de Santana, 52 anos, também sente as mudanças que a agilidade nas comunicações causa ao seu trabalho. “Há 30 anos a gente carregava mais carta e revistas. Hoje 99% é de boleto bancário e material promocional de empresas. Cartas são cada vez mais raras”. Há 23 anos fazendo rota em parte do Alecrim, tendo trabalhado ainda em áreas de Mãe Luiza, Tirol e Petrópolis, ele conta que fez vínculos com algumas famílias. E avalia: a mudança afetou ainda as relações carteiro-cliente. “Na época das cartas, a gente não só entregava, como recebia pedido para lê-las, convite para entrar, sentar, e até almoçar. Como sempre foi corrido a gente nem sempre podia atender”, lembra.

O carteiro que perfaz cerca de seis a dez quilômetros por dia no entorno das avenidas Manoel Miranda (antiga avenida 11) e dos Paiatis (antiga 12), com uma carga de 8 a 10 quilos, acredita que apenas para os românticos a substituição da carta pelo e-mail e redes sociais pode causar impacto. “Como pouco são os românticos hoje, nessa  geração da agilidade, do pra agora, não faz tanta falta assim”, diz. Ele mesmo há muito abandonou a tal correspondência. “Desde que abriram o acesso à telefonia que não escrevo uma carta”, confessa.

A estudante de Engenharia do Petróleo e Gás Mariela Mendonça das Chagas, 27 anos, é uma das poucas de sua idade que mantém o hábito de escrever cartas. A troca de correspondência - em papel e com letra redondinha – com amigas de infância, que moram nos Estados Unidos e na África é frequente. O costume é conservado desde que morou, por 13 anos, nos EUA e mantido após a volta à Natal, em 2008. “Antes me correspondia com as amigas daqui. E hoje é o inverso”, conta ela que guarda todas as cartas e mimos trocadas ao longo dos anos. Isso não impede do uso de e-mails, redes sociais e conversas ao telefone. “As cartas são mais especiais e é sempre uma boa surpresa receber uma, já que hoje a gente só recebe conta pelos correios”, disse Mariela que chega a enviar quatro páginas de conversa escrita.

Com a amiga missionária em país africano, Christine Olmeida, 27 anos, a comunicação é mais difícil. “O sistema de correios de lá é problemático. É preciso autorização. Eles abrem as cartas. ou mesmo eles abrirem

Mesmo sem a censura, o  serviço no Brasil não recebe aplausos. Segundo a estudante, dependendo da correspondência – se carta simples ou caixa com lembranças/encomendas – a entrega no país norte-americano varia de 15 a 45 dias. O retorno, às vezes, chega a ser maior. “Ainda é muito precário. Atrasa muito, principalmente a distribuição depois que chega ao Brasil”, disse.

Para a arquivista Rita de Cássia Carvalho Silva, de 50 anos, as cartas são responsáveis por amizades ao longo de mais de 20 anos. Em 1990, depois de ler em uma revista sobre um canal de cartas para a troca de receitas ela começou a se corresponder e chegava a receber em média 50 por semana. Desde então ela participa do Encontro dos Correspondentes, que acontece anualmente, esse em Mato Grosso do Sul e em 2012, em Natal. “A carta tem algo que jamais o e-mail terá: a caligrafia. Nela você sente como a pessoa está”, avalia.                       

Atualmente, a quantidade, a frequência e o teor mudaram. A culinária foi substituída por assuntos e confissões do cotidiano. “São amizades sólidas, cartas lindas. A primeira que recebi de Ruth, hoje com 75 anos, é de 27 de setembro de 1991, a última de abril desse ano”. Ela mantém contato com três pessoas, em João Pessoa (PB), Londrina e Curitiba (PR).

Outro diferencial nesse tipo de comunicação, segundo Rita, é a espera pela resposta. “Saber que alguém recebeu e vai ter o trabalho de escrever para contar sua vida. Essa expectativa é muito gostosa”, comenta a arquivista que é conhecida pelos carteiros do bairro onde mora, a Ribeira.

Volume de cartas cai

O gerente da agência dos Correios da avenida Rio Branco, no Centro, Leonardo Henrique Pereira de Lima, estima que menos de 1% da média de 20 mil correspondência/mês que circulam na agência são de cartas não comerciais de pessoas  físicas. Ainda assim, a maior parte é para participação em promoções de empresas que oferecem prêmios. “É ínfimo o movimento desse produto hoje em dia. Não chega a 30 por semana. Tanto que os Correios tiveram que se adequar e oferecer outros serviços - bancários, de encomendas”, ressalta o gerente.

De acordo com a superintendência regional da ECT, entre os oito segmentos de negócios explorados pelos Correios – aquele que expressa a maior representatividade em termos de receita operacional ainda é o segmento de Mensagens, com 50,29%, da receita total, onde a carta não-comercial está inserida e que representa menos de 3% desse montante, com uma tendência de redução dessa participação, justamente em razão do advento das novas tecnologias – especialmente relacionadas à Internet e Redes Sociais a ela vinculadas. Na década de 1980, a comunicação entre pessoas por meio de cartas superava os 50% do fluxo diário de objetos entregues. O volume médio de cartas comerciais e não comerciais distribuídas, diariamente, no âmbito da ECT/RN é de 390 mil. Aproximadamente 11,5 mil são de natureza não comercial.

Não há estatísticas de áreas geográficas de Natal com maior predominância de recebimento/emissão de cartas entretanto, observa-se um volume mais substancial entre os filatelistas, que alimentam grandes redes de intercâmbio de cartas/cartões postais nacionais e internacionais. São pessoas físicas de relativo poder aquisitivo, cultural e social e, paradoxalmente, àqueles que tem facílimo acesso à rede de computadores.

Envio das cartas

Para observar como funciona o serviço dos Correios e o tempo de espera de quem usa o produto, a TRIBUNA DO NORTE enviou, no último dia 17 de junho, cartas a destinatários em três locais diferentes – intermunicipal, interestadual e  internacional. A encaminhada a Goianinha, cidade distante 54 quilômetros de Natal, foi entregue em três dias e o mesmo tempo para retorno. Outra carta partiu para a capital do estado do Pará, Belém, no norte do país. Até lá foram cinco dias para o recebimento. A terceira seguiu para Lisboa, em Portugal. Esta  demorou  oito dias para ser entregue. Mas o processo inverso foi mais demorado, 14 dias para receber a resposta.

Correios em números

No último ano, no Rio Grande do Norte, os Correios movimentaram um grande volume de correspondências.

Cartas simples, faturas extratos, formatos grande e pequeno: 80.573.841

Mala Direta Postal e o Impresso Especial (revistas e etc): 7.451.354 

Malotes:403   

Sedex: 467.867


bate-papo: » Adriano Cruz coordenador do Depto. de Comunicação Social /UFRN

“O internetês pode enriquecer a nossa língua”

O uso de meios de comunicações, como a internet e suas inúmeras redes sociais são os responsáveis pelo hábito de escrever cartas cair em desuso? 

“O homem é um animal que escreve cartas”, dizia Lewis Carroll. Essa afirmação revela a importância do gênero textual para responder ao anseio de comunicação de todos os homens, naquele tempo. Em determinado momento da história, a carta correspondia ao desejo de comunicação humana. Entretanto, com o advento das novas tecnologias e das profundas mudanças na sociedade, essa necessidade de troca informativa foi substituída por meios mais rápidos e práticos da Internet. 

Antes havia todo um cuidado com a norma na hora de escrever. Essa substituição por um formato mais imediato da comunicação, com uma linguagem quase própria e informal na net, na sua opinião causa prejuízos à comunicação ou mesmo ao aprendizado?

Todos sabemos que não falamos a mesma língua de nossos antepassados, as estruturas linguísticas, as relações sintáticas, o vocabulário e todos os outros elementos discursivos são dinâmicos. Gosto de pensar o discurso como um caminho, um percurso de palavras e sentidos, submetidos às mais variadas condições históricas. Nesse sentido, o “internetês” pode ser um fenômeno linguístico que enriqueça a língua. Mas, para isso, os pais e os educadores devem proporcionar aos jovens e às crianças o contato com a máxima diversidade de gêneros e textos possíveis. O mais importante é adequar a linguagem à situação comunicativa. 

Quais as vantagens o fato de escrever à mão pode proporcionar?

 A escrita à mão permite que outros sentidos possam ser despertados, além do visual. Gosto de pensar no processo de confecção do papel como um elemento simbólico, que nos remete, de maneira inconsciente, à vida e à natureza. Além disso, há a possibilidade do toque físico e, com isso, o desenvolvimento motor da criança. Agora, nada disso, exclui a necessidade do aprendizado e do uso das tecnologias da informação. 

As cartas fazem as relações mais pessoais?

Essa sua questão me relembra um texto de um poeta, Vitor Taveira, no qual ele falava da dificuldade de se queimar uma carta de amor. O ato de deletar um e-mail, dizia ele, “não se compara a ver, entre as cinzas, as letras da pessoa amada”.  De certa forma, esse contato com a escritura nos remete à nossa ancestralidade, nossa marca, nosso estar no mundo. Foi assim desde as cavernas. 

Quando foi a última vez que o senhor escreveu uma carta para alguém?

Curiosa essa sua pergunta, acabei de receber uma carta de uma amiga, na qual refletia sobre a escrita: “Todo papel nasce de uma semente que depois, com sua força e perseverança, tornou-se um conjunto de raízes que sustentaram um tronco e um feixe de folhas”, dizia ela. Deve ser essa relação com o ciclo da nossa vida que fizeram a carta, o papel e a caneta atravessarem os séculos. Bom agora, vou responder a carta.
 

Fonte: Trubuna do Norte

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